Estudos recentes demonstram que
30% da população mundial apresenta alguma forma de transtorno mental e que
cerca de 10 a 20% das crianças brasileiras sofrem de doenças psiquiátricas.
Existe uma preocupação crescente dos profissionais da área da saúde com a defasagem evidente percebida entre a
referida necessidade e a busca por tratamento especializado. É grande o número
de crianças que, depois de procurar ajuda, abandona ou não chega a iniciar o
tratamento.
É alta a prevalência de
desistências durante o período inicial do tratamento, e a maior parte da
literatura sobre o tema se dedica à população adulta. Uma investigação
metanalítica sobre interrupção da psicoterapia revisou estudos e encontrou que
somente poucos envolviam amostras compostas por crianças. Desde essa revisão, o
número de estudos realizados em centros comunitários de saúde mental com
crianças continua escasso.
No entanto, entender o perfil da
clientela que não adere à psicoterapia psicanalítica seria um primeiro passo na
elaboração de medidas para tentar engajar essas crianças e seus responsáveis em
psicoterapia; também auxiliaria na revisão de critérios de indicação e
contraindicação para essa modalidade terapêutica, a fim de atualizar as
ferramentas técnicas para a demanda atual de crianças em psicoterapia.
Investigações constataram que a
fonte de encaminhamento constitui-se como fator preditivo de aderência e não
aderência à psicoterapia psicanalítica de crianças. Crianças que são
encaminhadas pela família correm mais risco de não aderir à psicoterapia, e as
encaminhadas por psiquiatras têm mais facilidade de vinculação ao tratamento
durante a fase inicial do processo psicoterápico.
No que concerne ao encaminhamento
para psicoterapia, constata-se que, sendo os sintomas externalizantes o
principal motivo de consulta em crianças, muitos pacientes infantis acabam
sendo encaminhados à psicoterapia porque perturbam o meio em que estão
inseridos (a escola, o convívio com amigos, as práticas desportivas, etc.). Na
amostra deste estudo, a escola constituiu-se como maior fonte de encaminhamento
para psicoterapia, percebendo, antes dos pais, a necessidade de atendimento
para as crianças.
A associação entre fonte de
encaminhamento e aderência à psicoterapia psicanalítica de crianças demonstra
que a trajetória realizada anteriormente pelos pais em busca de atendimento
para seus filhos é um fenômeno complexo e importante para a fase inicial do
tratamento psicoterápico. Diferenças encontradas entre abandono e não aderência
nos preditores de fonte de encaminhamento salientam que pesquisas devem ser
estimuladas sobre a conduta dos pais na procura de auxílio psicológico para
seus filhos, a fim de reduzir barreiras ao acesso a atendimento da saúde mental
de crianças.
As variáveis associadas ao
abandono do tratamento de psicoterapia são diferentes das variáveis associadas
à não aderência, o que justifica a necessidade de diferenciação desses dois fenômenos por parte
de pesquisadores e clínicos em suas práticas profissionais. Na medida em que
poucos estudos usam uma diferenciação conceitual entre abandono e não
aderência, os resultados das pesquisas destinadas a avaliar o desfecho da
psicoterapia acabam se confundindo, dificultando a generalização dos achados. Muitos
dos resultados encontrados são de difícil interpretação e sua discussão não
pode ser esgotada e sim estimulada para que mais e pesquisadores sigam
debruçando-se sobre esse tema, a fim de melhor elucidar o fenômeno.
FONTE: – GASTAUD et al. Não
aderência à psicoterapia psicanalítica de crianças. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul.
2011;33(2)
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